Wolfgang Amadeus Mozart (1756 –1791) foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico. Mozart mostrou uma habilidade musical prodigiosa desde sua infância. Já competente nos instrumentos de teclado e no violino, começou a compor aos cinco anos de idade, e passou a se apresentar para a realeza da Europa, maravilhando a todos com seu talento precoce. Chegando à adolescência foi contratado como músico da corte em Salzburgo, porém as limitações da vida musical na cidade o impeliram a buscar um novo cargo em outras cortes, mas sem sucesso. Ao visitar Viena em 1781 com seu patrão, desentendeu-se com ele e solicitou demissão, optando por ficar na capital, onde, ao longo do resto de sua vida, conquistou fama, porém pouca estabilidade financeira. Seus últimos anos viram surgir algumas de suas sinfonias, concertos e óperas mais conhecidos, além de seu Requiem. As circunstâncias de sua morte prematura deram origem a diversas lendas. Deixou uma esposa, Constanze, e dois filhos.
Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música sinfônica, concertante, operística, coral, pianística e de câmara. Sua produção foi louvada por todos os críticos de sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e difícil, e estendeu sua influência sobre vários outros compositores ao longo de todo o século XIX e início do século XX. Hoje Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores do ocidente, conseguiu conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua imagem se tornou um ícone popular.
Mozart nasceu em Salzburgo em 27 de janeiro de 1756, sendo batizado no dia seguinte na catedral local. O nome completo que recebeu foi Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, e teve como padrinho Joannes Theophilus Pergmayr. Mais tarde Mozart preferiu ter seu nome Theophilus chamado em suas versões francesa ou germânica, respectivamente Amadé e Gottlieb, mais raramente a forma latina, Amadeus. Os primeiros dois nomes só foram usados em suas primeiras publicações, e adotou a forma germânica Wolfgang em vez da latina Wolfgangus. Foi o sétimo e último filho de Leopold Mozart e Anna Maria Pertl. De todas as crianças somente ele e uma irmã, Maria Anna, apelidada Nannerl, sobreviveram à infância. A família do pai era oriunda da região de Augsburgo, tendo o sobrenome sido registrado desde o século XIV, aparecendo em diversas formas diferentes - Mozarth, Motzhart, Mozhard ou Mozer. Muitos de seus membros se dedicaram à cantaria e construção, e alguns foram artistas. A família da mãe era da região de Salzburgo, composta em geral por burgueses da classe média.
Assim que o talento de Mozart foi reconhecido, isso em seus primeiros anos de vida, o pai, músico experiente e violinista afamado, abandonou suas pretensões pedagógicas e compositivas para dedicar-se à educação do filho e de sua irmã Nannerl, que também cedo manifestou extraordinários dotes musicais, demonstrando porém clara preferência por Wolfgang e considerando-o um milagre divino. Parece certo que boa parte do profissionalismo que Wolfgang veio a exibir em sua maturidade se deveu à rigorosa disciplina imposta pelo seu pai. O seu aprendizado musical começou com a idade de quatro anos. Leopold havia compilado em 1759 um volume de composições elementares para o aprendizado de sua filha, que também serviu como manual didático para o irmão. Neste volume Leopold anotou as primeiras composições de Mozart, datadas de 1761, um Andante e um Allegro para teclado, mas é impossível determinar até que ponto são obras integrais de Mozart ou se trazem contribuição paterna.
Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música sinfônica, concertante, operística, coral, pianística e de câmara. Sua produção foi louvada por todos os críticos de sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e difícil, e estendeu sua influência sobre vários outros compositores ao longo de todo o século XIX e início do século XX. Hoje Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores do ocidente, conseguiu conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua imagem se tornou um ícone popular.
Mozart nasceu em Salzburgo em 27 de janeiro de 1756, sendo batizado no dia seguinte na catedral local. O nome completo que recebeu foi Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, e teve como padrinho Joannes Theophilus Pergmayr. Mais tarde Mozart preferiu ter seu nome Theophilus chamado em suas versões francesa ou germânica, respectivamente Amadé e Gottlieb, mais raramente a forma latina, Amadeus. Os primeiros dois nomes só foram usados em suas primeiras publicações, e adotou a forma germânica Wolfgang em vez da latina Wolfgangus. Foi o sétimo e último filho de Leopold Mozart e Anna Maria Pertl. De todas as crianças somente ele e uma irmã, Maria Anna, apelidada Nannerl, sobreviveram à infância. A família do pai era oriunda da região de Augsburgo, tendo o sobrenome sido registrado desde o século XIV, aparecendo em diversas formas diferentes - Mozarth, Motzhart, Mozhard ou Mozer. Muitos de seus membros se dedicaram à cantaria e construção, e alguns foram artistas. A família da mãe era da região de Salzburgo, composta em geral por burgueses da classe média.
Assim que o talento de Mozart foi reconhecido, isso em seus primeiros anos de vida, o pai, músico experiente e violinista afamado, abandonou suas pretensões pedagógicas e compositivas para dedicar-se à educação do filho e de sua irmã Nannerl, que também cedo manifestou extraordinários dotes musicais, demonstrando porém clara preferência por Wolfgang e considerando-o um milagre divino. Parece certo que boa parte do profissionalismo que Wolfgang veio a exibir em sua maturidade se deveu à rigorosa disciplina imposta pelo seu pai. O seu aprendizado musical começou com a idade de quatro anos. Leopold havia compilado em 1759 um volume de composições elementares para o aprendizado de sua filha, que também serviu como manual didático para o irmão. Neste volume Leopold anotou as primeiras composições de Mozart, datadas de 1761, um Andante e um Allegro para teclado, mas é impossível determinar até que ponto são obras integrais de Mozart ou se trazem contribuição paterna.
Personalidade
Segundo Steptoe, todas as considerações sobre a personalidade de Mozart e o ambiente familiar onde cresceu devem passar pela análise da figura do seu pai, Leopold. Sua mãe, Anna Maria, permaneceu um personagem obscuro, em tudo secundário, na vida de seu filho, mas Leopold exerceu uma influência sobre ele que perdurou até a maturidade. Ele nascera em Augsburgo e se mudou para Salzburgo para estudar Filosofia e Direito, mas não chegou a concluir os cursos. Voltou-se para a música e assumiu o cargo de violinista e professor de violino na capela do príncipe-arcebispo de Salzburgo, dedicando-se também à composição. Mais tarde ascendeu à posição de mestre de capela substituto, e conquistou considerável fama com a escrita de um tratado sobre a técnica do violino intitulado Versuch einer gründlichen Violinschule (1756), que teve várias reedições e traduções e permanece como uma das obras referenciais em seu gênero escritas no século XVIII. Leopold era um representante típico do racionalismo de seu tempo. Possuía uma inteligência aguçada, interessava-se pelas artes e ciências, correspondia-se com literatos e filósofos como Wieland e Gellert, e era um homem conhecedor dos caminhos tortuosos do mundo cortesão de seu tempo.
A educação musical que Leopold, um professor de primeira linha, proveu para seu filho foi em todos os aspectos completa e a presença da música na vida familiar era constante, tanto pela prática doméstica como pelas inúmeras atividades sociais em que a família se engajava, frequentemente envolvendo a música. O pequeno Mozart aprendeu desde os quatro anos teclado, com cinco iniciou no violino e órgão, e já passou à composição. A educação de Mozart além da música não é bem documentada, mas aparentemente Leopold providenciou para que ele aprendesse francês, italiano, latim e aritmética. As viagens internacionais, além de objetivarem lucro financeiro e buscarem a fama, também serviram para expor Mozart aos mais variados estilos, para que formasse o seu gosto e aprendesse técnicas novas. Leopold se preocupou também em contratar professores nessas viagens para complementar algum aspecto que lhe pareceu necessário. Em Londres procurou o castrato Giovanni Manzuoli para dar lições de canto ao menino, e em Bolonha o levou ao Padre Martini para aulas de contraponto, além de adquirir partituras que dificilmente seriam encontradas em Salzburgo. As viagens também foram úteis para uma expansão de horizontes em outros aspectos da cultura, e sempre que possível os Mozart frequentavam o teatro e liam literatura estrangeira. Além disso, recreação ao ar livre, interação social e exercícios faziam parte integral dos valores educacionais e higiênicos de Leopold, de modo que a imagem de Mozart como uma criança solitária em um mundo de adultos, fechada entre quatro paredes, é um mito. Durante o período itinerante Leopold ocupou um lugar central na vida do filho, sendo seu secretário, professor, colaborador, empresário, relações-públicas e seu maior incentivador, planejando meticulosamente os roteiros, explorando cada contato em prol das vantagens que pudessem trazer, e organizando todas as apresentações do filho, incluindo a divulgação sensacionalista de seu gênio. Leopold exercia forte pressão sobre Mozart no sentido de tentar incutir nele um senso de responsabilidade e profissionalismo, e durante um bom tempo foi seu maior conselheiro estético. A natureza e a repercussão positiva ou negativa dessa presença dominante sobre Mozart têm sido motivo para muito debate entre a crítica, mas parece certo que, apesar de existir um afeto real e profundo entre pai e filho, e de Leopold ser visivelmente um pai orgulhoso, quando o menino entrou na maturidade a índole controladora paterna e sua tendência ao sarcasmo e a manipular os sentimentos para fazer o filho curvar-se às suas idéias começaram a ser fonte de crescente tensão entre ambos. Com o passar dos anos Mozart aprendeu a ignorar as frequentes censuras do pai a seu comportamento e escolhas, mas sobrevivem cartas de Leopold em que fica clara sua raiva e decepção impotentes, e cartas de Mozart em que ele, entre a culpa e a impaciência, se esforça por justificar-se e assegurar que sabia o que fazia. Depois que Mozart se mudou para Viena eles se encontraram apenas duas vezes. Uma quando Leopold foi apresentado a Constanze em Salzburgo, e a segunda delas quando ele os visitou em Viena em 1785, quando parece ter-se dado como satisfeito, testemunhando o sucesso e prestígio profissional do filho e vendo que vivia em uma situação confortável.
O pai também parece ter sido o responsável pela modelação de parte das idéias religiosas, sociais e políticas do filho. Leopold, apesar de ser um homem do mundo era profundamente devoto; em uma das viagens interrompeu o roteiro para convencer um apóstata a voltar ao Catolicismo, era um ávido colecionador de relíquias de santos e em várias cartas expressou sua preocupação com a salvação da alma de Mozart. Entretanto se relacionava com iluministas e outros anticlericais, e em várias ocasiões manifestou seu desprezo pelos valores corrompidos dos príncipes da Igreja. Por outro lado, recomendava ao filho que se aproximasse dos altos hierarcas e se afastasse dos seus colegas músicos, ao mesmo tempo em que dava mais valor ao mérito pessoal do que aos títulos de nobreza. Mozart em alguma medida ecoou todas essas crenças e opiniões, como sua correspondência atesta. Condenava os ateus - chamou Voltaire de "ímpio arquipatife" - e fez em muitos momentos menções devotas a Deus. Tinha grande sensibilidade para as desigualdades sociais e um agudo senso de amor próprio, e uma carta que escreveu após seu confronto com o patrão Colloredo é ilustrativa nesse sentido. Nela ele diz: "O coração nobilita o homem e, se seguramente não sou conde, talvez tenha em mim mais honra do que muitos condes; e, lacaio ou conde, na medida em que ele me insulta, ele é um canalha". Seu engajamento mais íntimo com a política se refletiu no ingresso, junto com seu pai, na Maçonaria, uma organização que naquela época fazia aberta campanha pela sistematização legal de princípios humanos fundamentais, da educação, da liberdade de expressão política e religiosa e do acesso ao conhecimento, buscando criar, na fórmula então usada, uma "sociedade esclarecida".
Em outros pontos tinha pensamentos bem diversos do pai. Apenas um adolescente de catorze anos pôde ironizar em carta à irmã as visões de Leopold sobre estética, que se inclinavam aos modelos estabelecidos por Gellert e Wieland e que buscavam para a arte uma função social moralizante e nobilitante dentro de uma expressão austera e virtuosa. Essas opiniões já lhe pareciam antiquadas, e em carta ao pai em torno de 1780 defendeu a validade da opera buffa e rejeitou sua conformação aos ditames da opera seria. Também não se nota em sua correspondência um amor às outras artes além da música - sequer eram citadas e seu inventário não incluía uma única pintura - nem o atraía especialmente a paisagem natural. Não parece ter sido um grande leitor, mas conhecia em alguma medida Shakespeare, Ovídio, Fénelon, Metastasio e Wieland, além de provavelmente ter lido obras sobre história, educação e política, mas muitas dessas leituras aparentemente foram feitas tendo em vista mormente a elaboração de textos para óperas ou canções. Entretanto, sobrevivem rascunhos de duas comédias em prosa de sua autoria, alguns poemas e foi um grande escritor de cartas, cujo conteúdo veicula uma larga variedade de sentimentos e idéias, apresentados de forma profunda e exuberante, que se equiparam em qualidade literária à correspondência dos mais distinguidos escritores de sua época.
Tendo passado os anos formadores de sua personalidade sempre em viagens extenuantes, pressionado de várias formas pelo pai, e pelo público que exigia sempre novas proezas de um menino prodígio, e sem receber uma educação padrão, Mozart surpreendentemente emergiu como um homem maduro sem problemas psicológicos graves, mas sua passagem para uma vida autônoma não transcorreu isenta de repercussões negativas, um fenômeno comum a outras crianças-prodígio. Enquanto pequeno, sua vivacidade e espontaneidade, aliadas ao seu talento indiscutível e espantoso, ganharam-lhe as boas graças e os mimos da alta nobreza e permitiram-lhe entreter com ela uma intimidade em enorme desproporção com as suas insignificantes origens burguesas. Quando cresceu o apelo do gênio infantil desapareceu, ele se tornou apenas mais um entre milhares de músicos talentosos em atividade na Europa - ainda que fosse superiormente talentoso -, e as facilidades de penetração em todas as esferas sociais que conhecera antes também desapareceram. Seu sucesso precoce desenvolvera nele um considerável orgulho por suas realizações, com um consequente desprezo pela mediocridade, mas ao ver-se privado dos antigos
e passando a rejeitar Leopold como o organizador de sua vida - função que antes o pai desempenhara muito bem -, sendo obrigado a ganhar seu sustento primeiro como músico cortesão subalterno, e depois se aventurando em uma incerta vida de músico independente, teve dificuldades de manter sua rotina doméstica em boa ordem, de equilibrar seu orçamento, de se adaptar ao mercado e de socializar diplomática e igualitariamente com seus pares. Uma carta escrita de Paris a seu pai por seu antigo amigo, o Barão von Grimm, exprime em linhas gerais a visão dos seus contemporâneos sobre ele:
"Ele é demasiadamente confiante, demasiadamente inativo, demasiadamente fácil de apanhar, demasiadamente pouco atento para os meios que podem levar à fortuna. Para causar uma impressão aqui, deve-se ser arguto, empreendedor, ousado. Para fazer fortuna, eu desejaria que ele tivesse metade do seu talento e duas vezes mais ."
Também tem sido um ponto de muita curiosidade o conhecidamente grosseiro senso de humor de Mozart, um traço que ele compartilhava com toda a família, incluindo sua mãe. Caçoadas chulas, envolvendo situações sexuais e descrições literais das atividades excretórias do corpo, eram comuns entre eles, sua correspondência está cheia delas, e o interesse jocoso de Mozart pelo ânus e pela defecação se mantiveram por toda a sua vida. Tal comportamento chocava os hábitos dos círculos elegantes que ele frequentava, ainda que isso não interferisse no reconhecimento e apreciação de seu refinado talento musical. Esta polaridade de temperamento se manifestava também de outras maneiras. Há relatos de frequentes mudanças súbitas de humor, num instante dominado por uma idéia sublime, no outro entregue a gracejos e ao ridículo, e depois alimentando sentimentos sombrios. Contrastando com essas oscilações, permaneceu sempre inabalada sua confiança em suas próprias capacidades musicais, exultando com elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas memórias de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte neste aspecto. Contudo, em linhas gerais seu temperamento era bem disposto. Quando se dedicava ao trabalho de composição as circunstâncias externas pareciam não afetá-lo. Como exemplo, ele trabalhou em seu quarteto de cordas K421 enquanto a esposa dava à luz o primeiro filho do casal no quarto ao lado; no verão de 1788, em meio à morte de sua filhinha Theresia e críticas dificuldades financeiras, que os levaram a se mudar para uma casa barata, compôs nada menos do que as suas três últimas sinfonias, obras de grande importância, além de um trio, uma sonata e outras peças notáveis. Isso entretanto não significa que sua vida musical e a pessoal estivessem de todo desvinculadas, e em várias ocasiões sua saúde e, principalmente, sua relação com a esposa, que moldou grande parte de sua personalidade adulta, se refletiram no seu trabalho.
Segundo Steptoe, todas as considerações sobre a personalidade de Mozart e o ambiente familiar onde cresceu devem passar pela análise da figura do seu pai, Leopold. Sua mãe, Anna Maria, permaneceu um personagem obscuro, em tudo secundário, na vida de seu filho, mas Leopold exerceu uma influência sobre ele que perdurou até a maturidade. Ele nascera em Augsburgo e se mudou para Salzburgo para estudar Filosofia e Direito, mas não chegou a concluir os cursos. Voltou-se para a música e assumiu o cargo de violinista e professor de violino na capela do príncipe-arcebispo de Salzburgo, dedicando-se também à composição. Mais tarde ascendeu à posição de mestre de capela substituto, e conquistou considerável fama com a escrita de um tratado sobre a técnica do violino intitulado Versuch einer gründlichen Violinschule (1756), que teve várias reedições e traduções e permanece como uma das obras referenciais em seu gênero escritas no século XVIII. Leopold era um representante típico do racionalismo de seu tempo. Possuía uma inteligência aguçada, interessava-se pelas artes e ciências, correspondia-se com literatos e filósofos como Wieland e Gellert, e era um homem conhecedor dos caminhos tortuosos do mundo cortesão de seu tempo.
A educação musical que Leopold, um professor de primeira linha, proveu para seu filho foi em todos os aspectos completa e a presença da música na vida familiar era constante, tanto pela prática doméstica como pelas inúmeras atividades sociais em que a família se engajava, frequentemente envolvendo a música. O pequeno Mozart aprendeu desde os quatro anos teclado, com cinco iniciou no violino e órgão, e já passou à composição. A educação de Mozart além da música não é bem documentada, mas aparentemente Leopold providenciou para que ele aprendesse francês, italiano, latim e aritmética. As viagens internacionais, além de objetivarem lucro financeiro e buscarem a fama, também serviram para expor Mozart aos mais variados estilos, para que formasse o seu gosto e aprendesse técnicas novas. Leopold se preocupou também em contratar professores nessas viagens para complementar algum aspecto que lhe pareceu necessário. Em Londres procurou o castrato Giovanni Manzuoli para dar lições de canto ao menino, e em Bolonha o levou ao Padre Martini para aulas de contraponto, além de adquirir partituras que dificilmente seriam encontradas em Salzburgo. As viagens também foram úteis para uma expansão de horizontes em outros aspectos da cultura, e sempre que possível os Mozart frequentavam o teatro e liam literatura estrangeira. Além disso, recreação ao ar livre, interação social e exercícios faziam parte integral dos valores educacionais e higiênicos de Leopold, de modo que a imagem de Mozart como uma criança solitária em um mundo de adultos, fechada entre quatro paredes, é um mito. Durante o período itinerante Leopold ocupou um lugar central na vida do filho, sendo seu secretário, professor, colaborador, empresário, relações-públicas e seu maior incentivador, planejando meticulosamente os roteiros, explorando cada contato em prol das vantagens que pudessem trazer, e organizando todas as apresentações do filho, incluindo a divulgação sensacionalista de seu gênio. Leopold exercia forte pressão sobre Mozart no sentido de tentar incutir nele um senso de responsabilidade e profissionalismo, e durante um bom tempo foi seu maior conselheiro estético. A natureza e a repercussão positiva ou negativa dessa presença dominante sobre Mozart têm sido motivo para muito debate entre a crítica, mas parece certo que, apesar de existir um afeto real e profundo entre pai e filho, e de Leopold ser visivelmente um pai orgulhoso, quando o menino entrou na maturidade a índole controladora paterna e sua tendência ao sarcasmo e a manipular os sentimentos para fazer o filho curvar-se às suas idéias começaram a ser fonte de crescente tensão entre ambos. Com o passar dos anos Mozart aprendeu a ignorar as frequentes censuras do pai a seu comportamento e escolhas, mas sobrevivem cartas de Leopold em que fica clara sua raiva e decepção impotentes, e cartas de Mozart em que ele, entre a culpa e a impaciência, se esforça por justificar-se e assegurar que sabia o que fazia. Depois que Mozart se mudou para Viena eles se encontraram apenas duas vezes. Uma quando Leopold foi apresentado a Constanze em Salzburgo, e a segunda delas quando ele os visitou em Viena em 1785, quando parece ter-se dado como satisfeito, testemunhando o sucesso e prestígio profissional do filho e vendo que vivia em uma situação confortável.
O pai também parece ter sido o responsável pela modelação de parte das idéias religiosas, sociais e políticas do filho. Leopold, apesar de ser um homem do mundo era profundamente devoto; em uma das viagens interrompeu o roteiro para convencer um apóstata a voltar ao Catolicismo, era um ávido colecionador de relíquias de santos e em várias cartas expressou sua preocupação com a salvação da alma de Mozart. Entretanto se relacionava com iluministas e outros anticlericais, e em várias ocasiões manifestou seu desprezo pelos valores corrompidos dos príncipes da Igreja. Por outro lado, recomendava ao filho que se aproximasse dos altos hierarcas e se afastasse dos seus colegas músicos, ao mesmo tempo em que dava mais valor ao mérito pessoal do que aos títulos de nobreza. Mozart em alguma medida ecoou todas essas crenças e opiniões, como sua correspondência atesta. Condenava os ateus - chamou Voltaire de "ímpio arquipatife" - e fez em muitos momentos menções devotas a Deus. Tinha grande sensibilidade para as desigualdades sociais e um agudo senso de amor próprio, e uma carta que escreveu após seu confronto com o patrão Colloredo é ilustrativa nesse sentido. Nela ele diz: "O coração nobilita o homem e, se seguramente não sou conde, talvez tenha em mim mais honra do que muitos condes; e, lacaio ou conde, na medida em que ele me insulta, ele é um canalha". Seu engajamento mais íntimo com a política se refletiu no ingresso, junto com seu pai, na Maçonaria, uma organização que naquela época fazia aberta campanha pela sistematização legal de princípios humanos fundamentais, da educação, da liberdade de expressão política e religiosa e do acesso ao conhecimento, buscando criar, na fórmula então usada, uma "sociedade esclarecida".
Em outros pontos tinha pensamentos bem diversos do pai. Apenas um adolescente de catorze anos pôde ironizar em carta à irmã as visões de Leopold sobre estética, que se inclinavam aos modelos estabelecidos por Gellert e Wieland e que buscavam para a arte uma função social moralizante e nobilitante dentro de uma expressão austera e virtuosa. Essas opiniões já lhe pareciam antiquadas, e em carta ao pai em torno de 1780 defendeu a validade da opera buffa e rejeitou sua conformação aos ditames da opera seria. Também não se nota em sua correspondência um amor às outras artes além da música - sequer eram citadas e seu inventário não incluía uma única pintura - nem o atraía especialmente a paisagem natural. Não parece ter sido um grande leitor, mas conhecia em alguma medida Shakespeare, Ovídio, Fénelon, Metastasio e Wieland, além de provavelmente ter lido obras sobre história, educação e política, mas muitas dessas leituras aparentemente foram feitas tendo em vista mormente a elaboração de textos para óperas ou canções. Entretanto, sobrevivem rascunhos de duas comédias em prosa de sua autoria, alguns poemas e foi um grande escritor de cartas, cujo conteúdo veicula uma larga variedade de sentimentos e idéias, apresentados de forma profunda e exuberante, que se equiparam em qualidade literária à correspondência dos mais distinguidos escritores de sua época.
Tendo passado os anos formadores de sua personalidade sempre em viagens extenuantes, pressionado de várias formas pelo pai, e pelo público que exigia sempre novas proezas de um menino prodígio, e sem receber uma educação padrão, Mozart surpreendentemente emergiu como um homem maduro sem problemas psicológicos graves, mas sua passagem para uma vida autônoma não transcorreu isenta de repercussões negativas, um fenômeno comum a outras crianças-prodígio. Enquanto pequeno, sua vivacidade e espontaneidade, aliadas ao seu talento indiscutível e espantoso, ganharam-lhe as boas graças e os mimos da alta nobreza e permitiram-lhe entreter com ela uma intimidade em enorme desproporção com as suas insignificantes origens burguesas. Quando cresceu o apelo do gênio infantil desapareceu, ele se tornou apenas mais um entre milhares de músicos talentosos em atividade na Europa - ainda que fosse superiormente talentoso -, e as facilidades de penetração em todas as esferas sociais que conhecera antes também desapareceram. Seu sucesso precoce desenvolvera nele um considerável orgulho por suas realizações, com um consequente desprezo pela mediocridade, mas ao ver-se privado dos antigos
e passando a rejeitar Leopold como o organizador de sua vida - função que antes o pai desempenhara muito bem -, sendo obrigado a ganhar seu sustento primeiro como músico cortesão subalterno, e depois se aventurando em uma incerta vida de músico independente, teve dificuldades de manter sua rotina doméstica em boa ordem, de equilibrar seu orçamento, de se adaptar ao mercado e de socializar diplomática e igualitariamente com seus pares. Uma carta escrita de Paris a seu pai por seu antigo amigo, o Barão von Grimm, exprime em linhas gerais a visão dos seus contemporâneos sobre ele:
"Ele é demasiadamente confiante, demasiadamente inativo, demasiadamente fácil de apanhar, demasiadamente pouco atento para os meios que podem levar à fortuna. Para causar uma impressão aqui, deve-se ser arguto, empreendedor, ousado. Para fazer fortuna, eu desejaria que ele tivesse metade do seu talento e duas vezes mais ."
Também tem sido um ponto de muita curiosidade o conhecidamente grosseiro senso de humor de Mozart, um traço que ele compartilhava com toda a família, incluindo sua mãe. Caçoadas chulas, envolvendo situações sexuais e descrições literais das atividades excretórias do corpo, eram comuns entre eles, sua correspondência está cheia delas, e o interesse jocoso de Mozart pelo ânus e pela defecação se mantiveram por toda a sua vida. Tal comportamento chocava os hábitos dos círculos elegantes que ele frequentava, ainda que isso não interferisse no reconhecimento e apreciação de seu refinado talento musical. Esta polaridade de temperamento se manifestava também de outras maneiras. Há relatos de frequentes mudanças súbitas de humor, num instante dominado por uma idéia sublime, no outro entregue a gracejos e ao ridículo, e depois alimentando sentimentos sombrios. Contrastando com essas oscilações, permaneceu sempre inabalada sua confiança em suas próprias capacidades musicais, exultando com elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas memórias de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte neste aspecto. Contudo, em linhas gerais seu temperamento era bem disposto. Quando se dedicava ao trabalho de composição as circunstâncias externas pareciam não afetá-lo. Como exemplo, ele trabalhou em seu quarteto de cordas K421 enquanto a esposa dava à luz o primeiro filho do casal no quarto ao lado; no verão de 1788, em meio à morte de sua filhinha Theresia e críticas dificuldades financeiras, que os levaram a se mudar para uma casa barata, compôs nada menos do que as suas três últimas sinfonias, obras de grande importância, além de um trio, uma sonata e outras peças notáveis. Isso entretanto não significa que sua vida musical e a pessoal estivessem de todo desvinculadas, e em várias ocasiões sua saúde e, principalmente, sua relação com a esposa, que moldou grande parte de sua personalidade adulta, se refletiram no seu trabalho.
Concertos
De acordo com Levin não são as sinfonias, mas as óperas e os concertos as formas que mais revelam a evolução da escrita orquestral de Mozart nos anos vienenses, e ambos compartilham de diversas características técnicas, expressivas e formais no tratamento da parte solista em relação à orquestra e na adaptação da escrita às capacidades dos intérpretes, como foi descrito acima em relação às árias operísticas. Mas ao contrário de uma situação dramática teatral, o concerto não está atado a um libreto nem à sequência canônica ária-recitativo-ária-recitativo-etc que caracteriza a ópera. Assim se abria para o compositor uma liberdade muito maior no desenvolvimento da retórica musical, ainda que muito dessa retórica transposta aos instrumentos permanecesse sujeita às mesmas leis de articulação e de compreensibilidade, como é revelado em especial nos primeiros movimentos dos concertos, organizados na estrutura essencialmente dialética da forma-sonata, onde todos os elementos buscam um mesmo objetivo retórico definido e o virtuosismo se reconcilia com as necessidades de expressão dramática. Este é um traço que aparece em quase toda a sua produção concertística, particularmente nos concertos de sua maturidade.
A dívida dos concertos de Mozart para com sua música vocal solista também se revela em muitos pormenores de seus movimentos lentos, como por exemplo nas passagens em estilo de recitativo dos concertos para piano K466, K467, K595 e diversos mais, na variedade dos acompanhamentos orquestrais à parte solista, e na vivacidade com que o conjunto da orquestra reage ao solista e o provoca por sua vez a uma reação de sua parte. Da mesma maneira, adaptou a escrita dos instrumentos solo de acordo com as habilidades técnicas de seus executantes ou às possibilidades de seus instrumentos particulares. Por exemplo, no concerto para harpa e flauta K299 incluiu as notas graves ré♭3 e dó3 na parte da flauta porque o instrumento do intérprete, o Conde de Guines, tinha uma flauta com um adaptador que possibilitava tocar essas notas inacessíveis às flautas em geral. O concerto para clarinete K622 foi composto especialmente para Anton Stadler, cujo instrumento alcançava quatro semitons abaixo da tessitura usual. Os concertos compostos para o trompista Joseph Leutgeb testemunham o gradual declínio de sua habilidade: nos primeiros, K417 e K495, respectivamente de 1783 e 1786, incluem as notas agudas si4 e dó5, mas no concerto K447, de 1787, elas são omitidas, e num rascunho não concluído de outro concerto de 1791 não aparece nenhuma nota abaixo de sol3.
Mozart criou seus primeiros concertos acrescentando partes orquestrais a sonatas para solo de teclado de outros compositores, mantendo a parte do teclado essencialmente inalterada, mas desde logo manifestou habilidade em resumir o material temático e estrutural na escrita orquestral que adicionou. Mozart pouco praticou a forma do concerto até cerca de 1773, quando os seus experimentos mais avançados na ópera despertaram seu interesse pela retórica instrumental, conscientizando-se de que as complexidades inerentes à forma do concerto solista poderiam equivaler a uma situação dramática específica. Desta maneira, desde que compôs o seu primeiro concerto com material original, o concerto para violino K207, de 1773, todos os seus concertos subsequentes são altamente particularizados e todos apresentam uma grande riqueza de materiais temáticos e estruturais diferentes. No modelo geral da seção de exposição dos primeiros movimentos de seus concertos aparecem em torno de sete células estruturais distintas, algumas delas podendo, contudo, derivar de um mesmo tema. Com essa fartura de elementos e sua habilidade em integrá-los, Mozart evitou os dois principais problemas da escrita concertante de seus contemporâneos: o formalismo mecânico e a falta de tensão, que geravam um discurso musical frouxo, episódico e repetitivo. Alcançando uma notável integração entre forma e retórica, Mozart suplantou todos os outros compositores de sua época que se dedicaram a este gênero.
Vários autores consideram que, dentro de todos os concertos de Mozart, os escritos para piano (na verdade o pianoforte), que compôs para suas próprias apresentações como solista, representam sua maior realização na música concertante, e pairam muito acima de toda a produção de seus colegas pela riqueza e originalidade do conjunto e pela sutileza e complexidade do relacionamento criado entre solista e orquestra, mantendo as características idiomáticas tanto do solista quanto do grupo, e estabelecendo um diálogo entre ambos que foi capaz de expressar uma vasta pletora de significados e emoções.
De acordo com Levin não são as sinfonias, mas as óperas e os concertos as formas que mais revelam a evolução da escrita orquestral de Mozart nos anos vienenses, e ambos compartilham de diversas características técnicas, expressivas e formais no tratamento da parte solista em relação à orquestra e na adaptação da escrita às capacidades dos intérpretes, como foi descrito acima em relação às árias operísticas. Mas ao contrário de uma situação dramática teatral, o concerto não está atado a um libreto nem à sequência canônica ária-recitativo-ária-recitativo-etc que caracteriza a ópera. Assim se abria para o compositor uma liberdade muito maior no desenvolvimento da retórica musical, ainda que muito dessa retórica transposta aos instrumentos permanecesse sujeita às mesmas leis de articulação e de compreensibilidade, como é revelado em especial nos primeiros movimentos dos concertos, organizados na estrutura essencialmente dialética da forma-sonata, onde todos os elementos buscam um mesmo objetivo retórico definido e o virtuosismo se reconcilia com as necessidades de expressão dramática. Este é um traço que aparece em quase toda a sua produção concertística, particularmente nos concertos de sua maturidade.
A dívida dos concertos de Mozart para com sua música vocal solista também se revela em muitos pormenores de seus movimentos lentos, como por exemplo nas passagens em estilo de recitativo dos concertos para piano K466, K467, K595 e diversos mais, na variedade dos acompanhamentos orquestrais à parte solista, e na vivacidade com que o conjunto da orquestra reage ao solista e o provoca por sua vez a uma reação de sua parte. Da mesma maneira, adaptou a escrita dos instrumentos solo de acordo com as habilidades técnicas de seus executantes ou às possibilidades de seus instrumentos particulares. Por exemplo, no concerto para harpa e flauta K299 incluiu as notas graves ré♭3 e dó3 na parte da flauta porque o instrumento do intérprete, o Conde de Guines, tinha uma flauta com um adaptador que possibilitava tocar essas notas inacessíveis às flautas em geral. O concerto para clarinete K622 foi composto especialmente para Anton Stadler, cujo instrumento alcançava quatro semitons abaixo da tessitura usual. Os concertos compostos para o trompista Joseph Leutgeb testemunham o gradual declínio de sua habilidade: nos primeiros, K417 e K495, respectivamente de 1783 e 1786, incluem as notas agudas si4 e dó5, mas no concerto K447, de 1787, elas são omitidas, e num rascunho não concluído de outro concerto de 1791 não aparece nenhuma nota abaixo de sol3.
Mozart criou seus primeiros concertos acrescentando partes orquestrais a sonatas para solo de teclado de outros compositores, mantendo a parte do teclado essencialmente inalterada, mas desde logo manifestou habilidade em resumir o material temático e estrutural na escrita orquestral que adicionou. Mozart pouco praticou a forma do concerto até cerca de 1773, quando os seus experimentos mais avançados na ópera despertaram seu interesse pela retórica instrumental, conscientizando-se de que as complexidades inerentes à forma do concerto solista poderiam equivaler a uma situação dramática específica. Desta maneira, desde que compôs o seu primeiro concerto com material original, o concerto para violino K207, de 1773, todos os seus concertos subsequentes são altamente particularizados e todos apresentam uma grande riqueza de materiais temáticos e estruturais diferentes. No modelo geral da seção de exposição dos primeiros movimentos de seus concertos aparecem em torno de sete células estruturais distintas, algumas delas podendo, contudo, derivar de um mesmo tema. Com essa fartura de elementos e sua habilidade em integrá-los, Mozart evitou os dois principais problemas da escrita concertante de seus contemporâneos: o formalismo mecânico e a falta de tensão, que geravam um discurso musical frouxo, episódico e repetitivo. Alcançando uma notável integração entre forma e retórica, Mozart suplantou todos os outros compositores de sua época que se dedicaram a este gênero.
Vários autores consideram que, dentro de todos os concertos de Mozart, os escritos para piano (na verdade o pianoforte), que compôs para suas próprias apresentações como solista, representam sua maior realização na música concertante, e pairam muito acima de toda a produção de seus colegas pela riqueza e originalidade do conjunto e pela sutileza e complexidade do relacionamento criado entre solista e orquestra, mantendo as características idiomáticas tanto do solista quanto do grupo, e estabelecendo um diálogo entre ambos que foi capaz de expressar uma vasta pletora de significados e emoções.
Sinfonias
Mozart deu, logo após Joseph Haydn, a maior contribuição para a escrita sinfônica. Trabalhou no gênero ao longo de quase toda a sua carreira, as primeiras datando de 1764 e as últimas de 1788. As primeiras evidenciam a influência de compositores como Johann Christian Bach, Karl Friedrich Abel e outros que encontrou em suas viagens internacionais, mesclando estilos italianos e germânicos. Seu padrão estrutural é uniforme: todas em três movimentos, sem um minueto; o primeiro movimento é em tempo rápido em metro 4/4 e dividido em duas seções. Os segundos movimentos são lentos, também em forma binária e usualmente metro 2/4, e os movimentos finais são em regra rondòs rápidos em metro 3/8. Contudo, em algumas delas se encontram variações na forma básica da sinfonia. A partir da sinfonia K43 o minueto é introduzido como terceiro movimento e a forma com quatro movimentos se torna o padrão usual, os primeiros movimentos são menos regulares e na última do grupo é que aparece enfim a forma-sonata plenamente desenvolvida. A fase seguinte compreende o período das duas primeiras viagens italianas, mas diversas peças desse grupo só foram transmitidas por fontes secundárias, e por isso têm autoria duvidosa. De autoria confirmada são apenas a K74 e a K 112, compostas entre 1770 e 1771, e dada essa incerteza autoral e a discrepância entre as duas que são asseguradas, é difícil formar uma idéia sobre o grau de influência italiana direta sobre esta fase.
Logo em seguida, entre o fim de 1771 e meados de 1774, compôs mais um grande conjunto de dezessete sinfonias, cuja forma e expressividade são muito mais variadas e imprevisíveis, assimilando elementos italianos, da Escola de Mannheim e de compositores locais como Michael Haydn. A metade final deste grupo elabora seus primeiros movimentos mais consistentemente na forma-sonata, usando o contraste dos dois temas principais como recurso expressivo e estruturante, ao mesmo tempo em que revela crescente interesse pelo contraponto. Os anos seguintes foram pobres em sinfonias novas, mas ele retrabalhou algumas aberturas de óperas antigas como sinfonias com a adição de finales. Só retomou o gênero em 1779, produzindo diversas até 1780, com significativas variações formais. Em 1783 escreveu a primeira com um primeiro movimento lento, mas são as suas três últimas obras nesta forma, K543, K550 e K551, que ressaltam em toda a sua produção, estando entre as mais importantes e influentes sinfonias compostas em todo o século XVIII. Foram escritas em um jato, em apenas seis semanas, no verão de 1788. Nelas aparecem claramente os elementos que constituem sua contribuição essencial ao gênero sinfônico: uma estrutura perfeitamente equilibrada e proporcionada, um vocabulário harmônico de grande riqueza, o uso de material temático com funções estruturais, e uma profunda preocupação com as texturas orquestrais, manifesta em especial na escrita altamente idiomática para os instrumentos de sopro, particularmente o clarinete e o corne francês, que atuam como apoio e ligação entre as cordas e as madeiras. Também foi o primeiro a introduzir um elemento elegíaco no primeiro movimento da sinfonia, e embora sua obra privilegie o estilo homofônico, foi um mestre na composição contrapontística e fugal, deixando um exemplo importante no finale da sinfonia K551 (Júpiter).
Cordas
Seus primeiros quartetos de cordas mostram a influência de Giovanni Battista Sammartini e das trio-sonatas do norte italiano no uso de melodias curtas, na organização dos movimentos, na unidade de clave e no estilo homofônico predominante. Esses quartetos primitivos também exibem similaridades com a forma do divertimento, e o interesse principal recai nas duas vozes superiores. A forma-sonata é embrionária, com desenvolvimentos curtos e repetições. O grupo de seis quartetos produzido entre 1772 e 1773 já é mais coeso, têm características camerísticas mais definidas e formam um ciclo lógico de tonalidades, todos têm o mesmo número de movimentos e as vozes inferiores já são mais dinâmicas, possibilitando a criação de um efeito concertante. O grupo seguinte de seis quartetos foi produzido em Viena após contato com a obra de Joseph Haydn, de quem trazem forte influência. Sua qualidade é nitidamente superior aos anteriores, sua técnica é mais rica, fazem uso de contraponto e todas as vozes têm igual importância; o desenvolvimento é temático e não seccional, empregam às vezes introduções lentas, cromatismos e num deles há uma fuga. Seus últimos quartetos (1782-1790) são obras de maturidade, a forma canônica do quarteto de cordas é claramente estabelecida, mais uma vez são influenciados por Haydn e seis deles foram a ele dedicados como "fruto de um longo e laborioso esforço", como ele inscreveu na dedicatória. Usam curtas linhas cromáticas e uma harmonia mais livre, a forma-sonata é plenamente desenvolvida, o contraponto forma texturas complexas e as codas são mais elaboradas, com um resultado de densidade quase sinfônica. O último dos seis quartetos para Haydn é célebre pela sua intensidade emocional e sua abertura cromática, sendo chamado Quarteto das Dissonâncias, onde por um trecho a definição da tonalidade é deixada em suspenso.
Dos cinco quintetos para cordas, um é obra juvenil e mostra influência de Sammartini e Michael Haydn. Os outros são maduros, mas não são um grupo unificado, tendo cada um características únicas. Os dois primeiros fazem uso de uma escrita concertante, os dois últimos são mais contrapontísticos e têm material temático mais concentrado. Dentre as serenatas para cordas de longe mais conhecida é a Pequena Serenata Noturna K618, que se tornou extremamente popular.
Os mitos
A primeira biografia substancial de Mozart foi um obituário escrito por Friedrich Schlichtegroll em 1793, basicamente a partir de relatos obtidos da irmã de Mozart, Nannerl, e algum material adicional de amigos do músico. As histórias pitorescas que eles narraram ao biógrafo foram apresentadas com uma importância exagerada, criando uma imagem do músico como uma criança que nunca crescera, irresponsável e incompetente em tudo o que ficava fora do mundo da música, às expensas do estudo de sua vida como homem adulto. Essa abordagem foi mais ou menos imitada nas outras que se seguiram imediatamente, como as de Arnold, Nissen, Niemetschek, Novello e Rochlitz, todas em graus variáveis inclinadas à romantização, falseamento puro ou interpretação tendenciosa dos fatos, e elas foram a base para o nascimento de toda uma tradição biográfica distorcida, que ainda nos dias de hoje faz notar sua influência, misturando lenda e fato indiscriminadamente. Constanze também teve um papel nessa tradição, pois dispondo de acesso a muito material autógrafo de Mozart, não hesitou em destruir ou censurar correspondência do marido para que a imagem dele, e por extensão da sua, fossem apresentadas a público de maneira respeitável. Sua vida adulta sempre em apertos econômicos, sua morte ainda na flor dos anos, seu enterro numa vala comum, se tornaram objeto de muita fantasia, sendo pintadas em cores trágicas ou melodramáticas e fazendo dele uma espécie de herói incompreendido e abandonado quando mais precisava. Por outro lado, parte dos biógrafos românticos, a partir de sugestões de Schlichtegroll, desenvolveram a teoria de que Mozart fora o responsável pela sua própria ruína por ter um caráter supostamente dissoluto e extravagante, tendo-se envolvido com inúmeras mulheres, se entregado à bebida e se comportado com arrogância diante de potenciais patrões. Não bastando isso, Constanze passou a ser sistematicamente vilipendiada por se julgar que ela teria sido uma influência maligna e contribuído ativamente para a desgraça do marido. Essas histórias não só foram aceitas por vários estudiosos sérios como Alfred Einstein e Arnold Schering, mas se tornaram extremamente populares, ainda que a crítica mais atualizada as considere em larga medida desprovidas de qualquer fundamento.
Além desses aspectos, outras distorções em suas biografias surgiram de vê-lo como um gênio. Certamente o enorme talento de Mozart abria espaço para isso, mas então todas as construções biográficas românticas se estruturaram a partir de uma idéia preconcebida de como um gênio deveria ser e se comportar. Como o próprio conceito de gênio se transformou desde o século XVIII para cá, o resultado é que se formaram várias imagens diferentes de Mozart. Essa tradição foi lançada pelo seu pai Leopold, de acordo com uma visão quase religiosa do gênio como um ser abençoado por Deus. Com tal privilégio inato, cabia a Mozart consumar essa profecia. Biógrafos católicos como Adolphe Boschot, Téodor de Wyzewa e Georges de Saint-Foix deram prosseguimento ao tema como se o gênio fosse algo externo ao músico, como se falasse através dele, enfatizando a idéia de que Mozart não precisara estudar, se esforçar ou refletir para compor, como se tivesse nascido do nada, já inteiramente pronto, sem ter sofrido influências ou se relacionado com seu ambiente, mas é de notar que o próprio Mozart, ainda que cônscio de suas habilidades excepcionais, jamais descreveu a si mesmo como um gênio nesse sentido, e reconheceu seu débito para com outros músicos. Não obstante, chegou a se divulgar em 1815 uma carta falsificada de Mozart onde ele descrevia seu processo compositivo como uma inspiração próxima do sonambulismo. Essa visão fez de Mozart não apenas um ser especial, mas verdadeiramente angélico, essencialmente bondoso, sadio e equilibrado, e por isso um clássico por excelência.
Todo esse ideário distorcido ou fantástico sobre Mozart foi aproveitado também por outros artistas românticos para inserí-lo na literatura ficcional. A prática iniciou com E. T. A. Hoffmann, que escreveu em 1814 um conto, Don Juan, onde a ópera Don Giovanni é analisada como uma alegoria da queda de um espírito em sua busca equivocada do divino através do amor da mulher.[157] Alexandre Pushkin contribuiu com duas pequenas tragédias, Mozart e Salieri - transformada em ópera por Rimsky-Korsakov, e O Convidado de Pedra, a primeira reforçando a lenda do envenenamento de Mozart, e a outra uma releitura também do Don Giovanni original, encontrando no protagonista um alter ego do compositor. Aliás esta ópera atraiu diversos outros escritores românticos, como Søren Kierkegaard, Eduard Mörike e George Bernard Shaw, com uma variedade de interpretações filosóficas, morais e psicológicas.
Mozart na cultura popular
Em tempos mais recentes, graças à sua fama mundial, a imagem de Mozart se tornou um produto largamente explorado, chegando, segundo Jary, ao ponto do abuso, transbordando as fronteiras do mundo da música e sendo aproveitado para a indústria do turismo, do comércio, da propaganda, do cinema e também da política, muitas vezes já sem qualquer associação com seus atributos históricos e artísticos legítimos. Neste contexto, com necessidades vastamente díspares a serem atendidas, os limites do bom gosto são facilmente ultrapassados. Sua imagem aparece em bibelôs de porcelana, em embalagens de sorvete, cigarros, chocolate, perfume, roupas, cartões postais, calendários, livros de receitas e inúmeros outros bens de consumo. Hoje existem empresas exclusivamente dedicadas a explorar sua imagem no comércio, com lucros vultosos.
Há poucos anos Rauscher e Shaw publicaram artigos afirmando que estudantes colegiais elevaram seus pontos em um teste de desempenho espaço-motor após escutarem uma sonata de Mozart. Logo esses estudos sobre o que veio a ser chamado Efeito Mozart chegaram à imprensa e se divulgaram em larga escala, mas a interpretação do público foi de que a música de Mozart tornava as pessoas mais inteligentes, e se tornou uma moda colocar crianças a ouvirem música mozartiana. Porém, diversos outros testes controlados foram realizados por outros pesquisadores tentando reproduzir aqueles resultados, mas a confirmação consistentemente não foi obtida. Um desses testes reproduziu exatamente as condições do estudo original, e mesmo assim a resposta foi negativa. A própria Frances Rauscher refutou a ligação dos resultados de seu teste com o aumento de inteligência, dizendo que eles se referiam especificamente a tarefas de visualização mental e ordenamento temporal. Isso entretanto não foi suficiente para desacreditar o Efeito Mozart entre o público leigo; ele continua a ser divulgado como um fato e "Music for The Mozart Effect (Música para o Efeito Mozart) se tornou uma marca comercial, oferecendo gravações selecionadas que, segundo os reclames publicitários, já beneficiaram "milhões de pessoas", e incluem um programa de áudio intitulado Mozart as Healer (Mozart como curador). O impacto dessa publicidade foi muito além do mero comércio. Nos Estados Unidos o estado da Geórgia passou a entregar para os pais de cada bebê recém-nascido - cerca de cem mil ao ano - um CD de música clássica. Na Flórida uma lei obrigou que todos os programas educacionais e de cuidado da criança patrocinados por fundos públicos tocassem música clássica por trinta minutos todos os dias para crianças abaixo de cinco anos. A polêmica prossegue, pois alguns novos estudos dizem confirmar o Efeito Mozart, e outros continuam a levantar dúvidas.
Essa multiplicação tantas vezes acriteriosa da presença de Mozart contribui por um lado para aumentar o interesse geral por ele, mas por outro para a perpetuação de estereótipos, que são óbvios também em filmes, livros de literatura ficcional e peças teatrais que ele continua protagonizando, como Wolfgangerl, de Gunnar Gällmo, Amadeus, de Milos Forman (baseado na peça homônima de Peter Shaffer), e Mozart and the Gray Steward, de Thornton Wilder. Mesmo no mundo da indústria da música erudita existe uma clara tendência a distorcer os fatos; umas poucas peças recebem gravações repetidas e de grande tiragem, enquanto que o resto de sua vasta produção permanece desconhecida do grande público. Essas mesmas peças selecionadas são usadas como trilha sonora em outras situações porque sua imensa popularidade garante a atração dos consumidores para outros produtos. Mais grave é sua apropriação pela política, sendo um exemplo o uso da imagem de Mozart pelo regime nazista da Alemanha. Em 1938 o slogan Mozart como Apolo foi usado em um festival de Salzburgo comemorando a anexação da Áustria à Alemanha, e em 1939 o músico se tornou um símbolo do pacto de Hitler com Mussolini. De acordo com declarações do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, a música de Mozart era uma defesa dos soldados alemães contra os "bárbaros do leste europeu". Mesmo depois da guerra o Estado austríaco continuou usando Mozart como uma espécie de embaixador da Áustria, alegando-se que seu gênio permanecia pairando sobre o país. Esse uso extensivo de Mozart em uma imensa variedade de situações não parece estar enfraquecendo com o passar dos anos, e na ópera Mozart in New York, de Helmut Eder, é dito ironicamente que seja em souvenirs turísticos, seja figurando na nota de cinco mil xelins austríaca, "Mozart é dinheiro!"
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A primeira biografia substancial de Mozart foi um obituário escrito por Friedrich Schlichtegroll em 1793, basicamente a partir de relatos obtidos da irmã de Mozart, Nannerl, e algum material adicional de amigos do músico. As histórias pitorescas que eles narraram ao biógrafo foram apresentadas com uma importância exagerada, criando uma imagem do músico como uma criança que nunca crescera, irresponsável e incompetente em tudo o que ficava fora do mundo da música, às expensas do estudo de sua vida como homem adulto. Essa abordagem foi mais ou menos imitada nas outras que se seguiram imediatamente, como as de Arnold, Nissen, Niemetschek, Novello e Rochlitz, todas em graus variáveis inclinadas à romantização, falseamento puro ou interpretação tendenciosa dos fatos, e elas foram a base para o nascimento de toda uma tradição biográfica distorcida, que ainda nos dias de hoje faz notar sua influência, misturando lenda e fato indiscriminadamente. Constanze também teve um papel nessa tradição, pois dispondo de acesso a muito material autógrafo de Mozart, não hesitou em destruir ou censurar correspondência do marido para que a imagem dele, e por extensão da sua, fossem apresentadas a público de maneira respeitável. Sua vida adulta sempre em apertos econômicos, sua morte ainda na flor dos anos, seu enterro numa vala comum, se tornaram objeto de muita fantasia, sendo pintadas em cores trágicas ou melodramáticas e fazendo dele uma espécie de herói incompreendido e abandonado quando mais precisava. Por outro lado, parte dos biógrafos românticos, a partir de sugestões de Schlichtegroll, desenvolveram a teoria de que Mozart fora o responsável pela sua própria ruína por ter um caráter supostamente dissoluto e extravagante, tendo-se envolvido com inúmeras mulheres, se entregado à bebida e se comportado com arrogância diante de potenciais patrões. Não bastando isso, Constanze passou a ser sistematicamente vilipendiada por se julgar que ela teria sido uma influência maligna e contribuído ativamente para a desgraça do marido. Essas histórias não só foram aceitas por vários estudiosos sérios como Alfred Einstein e Arnold Schering, mas se tornaram extremamente populares, ainda que a crítica mais atualizada as considere em larga medida desprovidas de qualquer fundamento.
Além desses aspectos, outras distorções em suas biografias surgiram de vê-lo como um gênio. Certamente o enorme talento de Mozart abria espaço para isso, mas então todas as construções biográficas românticas se estruturaram a partir de uma idéia preconcebida de como um gênio deveria ser e se comportar. Como o próprio conceito de gênio se transformou desde o século XVIII para cá, o resultado é que se formaram várias imagens diferentes de Mozart. Essa tradição foi lançada pelo seu pai Leopold, de acordo com uma visão quase religiosa do gênio como um ser abençoado por Deus. Com tal privilégio inato, cabia a Mozart consumar essa profecia. Biógrafos católicos como Adolphe Boschot, Téodor de Wyzewa e Georges de Saint-Foix deram prosseguimento ao tema como se o gênio fosse algo externo ao músico, como se falasse através dele, enfatizando a idéia de que Mozart não precisara estudar, se esforçar ou refletir para compor, como se tivesse nascido do nada, já inteiramente pronto, sem ter sofrido influências ou se relacionado com seu ambiente, mas é de notar que o próprio Mozart, ainda que cônscio de suas habilidades excepcionais, jamais descreveu a si mesmo como um gênio nesse sentido, e reconheceu seu débito para com outros músicos. Não obstante, chegou a se divulgar em 1815 uma carta falsificada de Mozart onde ele descrevia seu processo compositivo como uma inspiração próxima do sonambulismo. Essa visão fez de Mozart não apenas um ser especial, mas verdadeiramente angélico, essencialmente bondoso, sadio e equilibrado, e por isso um clássico por excelência.
Todo esse ideário distorcido ou fantástico sobre Mozart foi aproveitado também por outros artistas românticos para inserí-lo na literatura ficcional. A prática iniciou com E. T. A. Hoffmann, que escreveu em 1814 um conto, Don Juan, onde a ópera Don Giovanni é analisada como uma alegoria da queda de um espírito em sua busca equivocada do divino através do amor da mulher.[157] Alexandre Pushkin contribuiu com duas pequenas tragédias, Mozart e Salieri - transformada em ópera por Rimsky-Korsakov, e O Convidado de Pedra, a primeira reforçando a lenda do envenenamento de Mozart, e a outra uma releitura também do Don Giovanni original, encontrando no protagonista um alter ego do compositor. Aliás esta ópera atraiu diversos outros escritores românticos, como Søren Kierkegaard, Eduard Mörike e George Bernard Shaw, com uma variedade de interpretações filosóficas, morais e psicológicas.
Mozart na cultura popular
Em tempos mais recentes, graças à sua fama mundial, a imagem de Mozart se tornou um produto largamente explorado, chegando, segundo Jary, ao ponto do abuso, transbordando as fronteiras do mundo da música e sendo aproveitado para a indústria do turismo, do comércio, da propaganda, do cinema e também da política, muitas vezes já sem qualquer associação com seus atributos históricos e artísticos legítimos. Neste contexto, com necessidades vastamente díspares a serem atendidas, os limites do bom gosto são facilmente ultrapassados. Sua imagem aparece em bibelôs de porcelana, em embalagens de sorvete, cigarros, chocolate, perfume, roupas, cartões postais, calendários, livros de receitas e inúmeros outros bens de consumo. Hoje existem empresas exclusivamente dedicadas a explorar sua imagem no comércio, com lucros vultosos.
Há poucos anos Rauscher e Shaw publicaram artigos afirmando que estudantes colegiais elevaram seus pontos em um teste de desempenho espaço-motor após escutarem uma sonata de Mozart. Logo esses estudos sobre o que veio a ser chamado Efeito Mozart chegaram à imprensa e se divulgaram em larga escala, mas a interpretação do público foi de que a música de Mozart tornava as pessoas mais inteligentes, e se tornou uma moda colocar crianças a ouvirem música mozartiana. Porém, diversos outros testes controlados foram realizados por outros pesquisadores tentando reproduzir aqueles resultados, mas a confirmação consistentemente não foi obtida. Um desses testes reproduziu exatamente as condições do estudo original, e mesmo assim a resposta foi negativa. A própria Frances Rauscher refutou a ligação dos resultados de seu teste com o aumento de inteligência, dizendo que eles se referiam especificamente a tarefas de visualização mental e ordenamento temporal. Isso entretanto não foi suficiente para desacreditar o Efeito Mozart entre o público leigo; ele continua a ser divulgado como um fato e "Music for The Mozart Effect (Música para o Efeito Mozart) se tornou uma marca comercial, oferecendo gravações selecionadas que, segundo os reclames publicitários, já beneficiaram "milhões de pessoas", e incluem um programa de áudio intitulado Mozart as Healer (Mozart como curador). O impacto dessa publicidade foi muito além do mero comércio. Nos Estados Unidos o estado da Geórgia passou a entregar para os pais de cada bebê recém-nascido - cerca de cem mil ao ano - um CD de música clássica. Na Flórida uma lei obrigou que todos os programas educacionais e de cuidado da criança patrocinados por fundos públicos tocassem música clássica por trinta minutos todos os dias para crianças abaixo de cinco anos. A polêmica prossegue, pois alguns novos estudos dizem confirmar o Efeito Mozart, e outros continuam a levantar dúvidas.
Essa multiplicação tantas vezes acriteriosa da presença de Mozart contribui por um lado para aumentar o interesse geral por ele, mas por outro para a perpetuação de estereótipos, que são óbvios também em filmes, livros de literatura ficcional e peças teatrais que ele continua protagonizando, como Wolfgangerl, de Gunnar Gällmo, Amadeus, de Milos Forman (baseado na peça homônima de Peter Shaffer), e Mozart and the Gray Steward, de Thornton Wilder. Mesmo no mundo da indústria da música erudita existe uma clara tendência a distorcer os fatos; umas poucas peças recebem gravações repetidas e de grande tiragem, enquanto que o resto de sua vasta produção permanece desconhecida do grande público. Essas mesmas peças selecionadas são usadas como trilha sonora em outras situações porque sua imensa popularidade garante a atração dos consumidores para outros produtos. Mais grave é sua apropriação pela política, sendo um exemplo o uso da imagem de Mozart pelo regime nazista da Alemanha. Em 1938 o slogan Mozart como Apolo foi usado em um festival de Salzburgo comemorando a anexação da Áustria à Alemanha, e em 1939 o músico se tornou um símbolo do pacto de Hitler com Mussolini. De acordo com declarações do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, a música de Mozart era uma defesa dos soldados alemães contra os "bárbaros do leste europeu". Mesmo depois da guerra o Estado austríaco continuou usando Mozart como uma espécie de embaixador da Áustria, alegando-se que seu gênio permanecia pairando sobre o país. Esse uso extensivo de Mozart em uma imensa variedade de situações não parece estar enfraquecendo com o passar dos anos, e na ópera Mozart in New York, de Helmut Eder, é dito ironicamente que seja em souvenirs turísticos, seja figurando na nota de cinco mil xelins austríaca, "Mozart é dinheiro!"
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